Revirando caixas em casa nesta semana, entre lembranças e papéis guardados, emergiu um documento que poderia transformar a paisagem urbana de Erechim. A Cartilha Cidade Limpa, chancelada pela Prefeitura, CDL e IAB Núcleo José Albano Volkmer, é muito mais que um manual técnico: é um projeto de cidade. Um guia que nasceu para humanizar os espaços públicos, valorizar o patrimônio histórico e devolver ao cidadão o orgulho de caminhar pelas ruas centrais.
Mas a grande pergunta ecoa: por que Erechim aprovou sua Lei da Cidade Limpa, em 2020 (que revogou a de 2015), e até hoje não a colocou em prática?
A história escondida atrás das placas
Em uma reunião recente, uma artista plástica relatou algo que parece simples, mas revela uma ferida urbana: sua amiga se recusa a comprar em qualquer loja que esconda sua fachada com placas publicitárias. Parece exagero? Talvez. Mas é também um gesto de resistência, uma forma de dizer: “nossa história não pode ser sufocada pelo excesso de anúncios”.
E é exatamente esse o ponto da lei. Regulamentar dimensões, formatos, cores e locais de instalação da publicidade. Proteger prédios históricos, ordenar o espaço público, qualificar o Centro Comercial e Histórico. Uma lei moderna, que dialoga com tendências mundiais de revalorização urbana
Quando a lei dorme...
A cartilha detalhava soluções para anúncios em fachadas históricas e até a correta padronização cromática. Um trabalho técnico, profundo, oferecido de forma gratuita e apaixonada por arquitetos que sonham com uma cidade mais limpa, funcional e humana.
E tudo isso resultou numa lei que foi elaborada, aprovada, sancionada e... esquecida. O tempo passou, a paisagem urbana seguiu desordenada, e o patrimônio arquitetônico — que deveria ser vitrine de identidade cultural — segue sendo soterrado por placas desproporcionais, letreiros gigantes e anúncios que competem com a história.
O momento é agora
O contraste nunca foi tão evidente. Com a revitalização dos canteiros centrais em andamento — um projeto belíssimo que devolve vida às ruas —, as árvores retiradas revelaram o que estava escondido: prédios históricos soterrados por placas publicitárias. Uma cena que escancara a urgência da aplicabilidade da lei.
Erechim não pode mais adiar esse debate. Cidades brasileiras que adotaram legislações semelhantes viram seus centros históricos renascerem, atraíram turismo, fortaleceram o comércio local e, sobretudo, criaram um espaço urbano mais humano e harmônico.
Não basta aprovar. É preciso aplicar
A Lei Cidade Limpa de Erechim não pode permanecer como um símbolo de boas intenções engavetadas. O Executivo tem em mãos um instrumento jurídico pronto para mudar o cenário. O Legislativo já fez sua parte ao aprová-la. Agora, falta ação. Falta coragem política para enfrentar resistências, fiscalizar e fazer cumprir. Porque preservar não é luxo, é dever. Cada dia que passa, mais um pedaço da nossa história se perde atrás de um letreiro que nunca deveria estar ali.